Por Edward T. Welch
Colocando todos os textos numa balança,
a passagem que fala sobre o pecado imperdoável é a que consegue fazer-nos
sentir mais culpa em toda a Bíblia.
Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á
isso perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso
perdoado, nem neste mundo nem no porvir. (Mateus 12:32)
Isso é suficiente para chamar a atenção
tanto do libertino quanto do escrupuloso. Eu imagino quantos de nós preferem
pular esta passagem. Como no assassinato de Kennedy ou no 11 de Setembro, nós
conseguimos lembrar do dia em que nós encontramos essa passagem problemática
pela primeira vez. A maioria de nós pôde seguir em frente e focar em outras
partes mais suaves para a consciência na Bíblia. Mas sempre fica aquela
pergunta toda vez que encontramos Mateus 12 - “Este sou eu?”.
Para outros, esta passagem se tornou
uma coisa pegajosa, talvez uma assombração. O “Este sou eu?” deixou de ser uma
pergunta para virar uma confissão, “Este sou eu.” Se houver qualquer dúvida, a
simples leitura da passagem pode trazer um pensamento fugaz que diz algo
desagradável sobre o Espírito Santo. Lá está, se você não tinha cometido o
pecado imperdoável antes, você acabou de fazer isso agora. Claro, você não quis
dizer isso – ou será que quis? Parece até com o resultado comum de “Não pense
em elefantes cor-de-rosa.” O elefante aparece magicamente. De qualquer forma, o
pensamento blasfemo emergiu e você se sente condenado.
A lista daqueles que são assombrados
por este medo é bem comprida.
O consolo oferecido por amigos
bem-intencionados já é bem conhecido: se você pensa que cometeu o pecado
imperdoável e se sente miserável a respeito disso, então você não cometeu. Já
que você se sente mal a respeito disso, então você não é culpado desse pecado,
portanto, não se preocupe. Apenas aqueles que não se importam é que são
potencialmente culpados. Esta resposta realmente faz sentido no contexto maior
da passagem. O problema é que ela funciona para aqueles que só ficam presos
nesse texto temporariamente e provavelmente já seguiram em frente de qualquer
forma. Para aqueles que estão profundamente atribulados, o conselho no mínimo
precisa de mais substância.
Então o que fazemos com essa passagem?
Aqui há alguns recursos.
O contexto imediato da passagem.
Os fariseus tinham acabado de
testemunhar Jesus curando um homem possesso por um demônio que estava cego e
mudo. Outros que testemunharam esta demonstração de poder tiveram uma resposta
apropriada. “E toda a multidão se admirava e dizia: É este, porventura, o Filho
de Davi?” (12:23). Os fariseus, no entanto, continuavam com o coração
endurecido, “Este não expele demônios senão pelo poder de Belzebu, maioral dos
demônios.” Esta era a segunda vez que eles diziam algo assim (conforme Mateus
9:34). Sem dúvida, eles estavam comprometidos em seu desprezo por Jesus. O
pecado imperdoável é claro: é blasfemar ou falar contra o Espírito Santo, e
blasfêmia, nesta situação, significa atribuir o poder do Espírito Santo às
obras de Satanás.
Então, se você quer fazer um primeiro
passo na aplicação desta passagem, leia a história do milagre de Jesus. Você
acredita que Jesus conseguiu realizar o milagre por causa de um alinhamento com
o próprio Satanás? Não preste atenção em dúvidas passageiras. Os fariseus não
tinham dúvida. Você verdadeiramente acredita, de coração, que Jesus fez este
milagre com o poder de Satanás? Não, você não acredita nisso. Tal pessoa não estaria
lendo nada a respeito do pecado imperdoável.
Isso é um início, mas ainda é uma
passagem difícil de interpretar. Para podermos desenhar conclusões mais
precisas desta passagem, eu vou juntar alguns princípios gerais que são ou
óbvios nas Escrituras ou claros no próprio texto. Então, como faríamos com
qualquer texto difícil, para conseguir mais ajuda eu vou considerar como o
contexto maior, tanto no Evangelho de Mateus como na Bíblia em geral, dá
suporte e refina estes princípios.
Primeiro, a passagem é a
respeito dos líderes do povo. A Bíblia claramente coloca os líderes em um
padrão diferente porque seus pecados têm consequências maiores. Moisés foi o
primeiro exemplo de um líder levado a um padrão mais alto, e houve muitos
exemplos depois dele (conforme Ezequiel 34 e Jeremias 23). Tiago escreve “Meus
irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber
maior juízo.”(3:1). Se você não é um líder oficial de uma igreja, esta passagem
não é primariamente direcionada a você.
Segundo, a passagem é sobre
líderes de coração endurecido que não são tocados pelo que Jesus disse
e estão determinados a minar seu ministério. Se você tem uma consciência (e
você tem) você pode facilmente encontrar episódios de coração endurecido na sua
vida, o que faz com que você novamente pense que esta passagem está falando
sobre você. Mas o endurecimento de coração dos fariseus é agressivo. Ele inclui
resistir à obra do Espírito (Atos 7:51), falar blasfêmias contra o Senhor e
influenciar outros a fazerem o mesmo. Você não tem uma estratégia intencional
de derrubar a fé de outras pessoas. Seus pensamentos condenatórios, no máximo,
são temporários. Eles ficam presos na sua mente quando você preferia que eles
simplesmente passassem.
A passagem, então, não está mesmo
falando de você. Tudo o que Jesus disse é verdade, é claro, mas há muitas
passagens que são endereçadas a pessoas específicas nas Escrituras que não são
palavras de Deus para você em particular. Mas essa passagem ainda pode nos
prender. A pergunta recorrente é esta: é possível que alguns pecados não possam
ser perdoados? Esta é, de fato, A pergunta preocupante. Para
respondê-la, vamos precisar considerar o contexto maior.
O contexto geral do Evangelho de Mateus.
No Evangelho de Mateus, dois temas são
relevantes para esta passagem: o conflito com os líderes judeus e o perdão de
pecados.
Quando se trata dos líderes, Mateus não
tem nada de bom para dizer. No início, João Batista confronta os líderes como
“raça de víboras” (3:7). A briga de João não era com todas as pessoas. Ele
focava nos líderes. Mais tarde, Jesus novamente faz uma distinção entre os
líderes e o povo. O povo era caracterizado como ovelha perdida (9:36), mas os
líderes – os fariseus e saduceus – eram os pastores enganosos, opressivos e egoístas.
Ao longo de Mateus, as linhas da batalha vão sendo desenhadas, e os líderes
continuam firmes em sua oposição a Jesus. Sem exceção, todas as menções dos
líderes em Mateus são negativas. O Evangelho de Mateus chega a uma conclusão
com sete “ais” de Jesus direcionados aos líderes (23), as parábolas de Jesus,
que são acusações veladas aos líderes (25), e o estratagema dos líderes para
encobrir qualquer evidência da ressurreição (28:11-15).
Dada esta ênfase de Mateus neste
antagonismo, você fica com a impressão de que uma pessoa comum não ficaria sob
a carga do pecado imperdoável. Esta impressão se encaixa no conteúdo do
Evangelho. A carga é contra os líderes que estavam firmemente engajados em sua
blasfêmia e oposição. Eles não estavam lutando contra pensamentos passageiros a
respeito de elefantes cor-de-rosa. Ao contrário, sua blasfêmia vinha com um
pacote que incluía um comprometimento de todo o coração a levar as pessoas para
longe de Jesus. De todo o coração. E antagonistas ‘de todo o coração’ não se importam
com o que Jesus diz.
O outro tema relevante em Mateus é o
perdão dos pecados. “E lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo
dos pecados deles.” (1:21). É assim que começa o Evangelho. Em vez de dizer a
um paralítico que ele estava curado, Jesus escolheu dizer “Seus pecados estão
perdoados” (9:2). Desta forma ele proclamou que tinha autoridade para perdoar
pecados. Mateus fecha seu Evangelho de uma forma parecida com a que começou.
Imediatamente antes do Getsêmani, Jesus revelou o significado mais profundo da
Páscoa quando disse “isto é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado em
favor de muitos, para remissão de pecados.” (26:28). Perdão de pecados é o
coração do Evangelho de Mateus, como também é o coração das Escrituras. Não há
nada de mesquinho na oferta de perdão que Jesus faz.
Quando você pede perdão, Deus perdoa. Isso é
fundamental para o evangelho de Cristo. Então como está clara verdade ajuda
neste texto?
Jesus disse que haveria perdão para
palavras ditas contra ele. Então porque ele diria que não haveria perdão para
os pecados contra o Espírito? Parece que há algo de singular acontecendo aqui.
Jesus normalmente não leva os insultos e acusações blasfemas pessoalmente
(Lucas 23:33, 1 Pedro 2:23-24). Ele resolveu viver na dependência de seu Pai e
do poder do Espírito (Lucas 4:14). Quando ele tomou uma posição, foi em nome do
Pai (João 2:14-17) e, neste caso, em nome do Espírito Santo. Jesus estava
consciente de que seus milagres eram uma consequência do poder do Espírito
trabalhando nele (Lucas 5:17). Então, para ele, os Fariseus eram, em última
instância, contrários ao Espírito.
Jesus estava mesmo dizendo “Vocês podem
mexer comigo, ao menos neste momento da história, mas não é pra brincar nem com
o Pai nem com o Espírito”? Ele estava dizendo pelo menos isso. Ele estava
falando de blasfêmia persistente em vez de um momento blasfemo? Sim. Ele estava
dizendo que, uma vez que os líderes não tinham nenhuma inclinação para pedir
perdão, eles não receberiam perdão algum? Sim.
O contexto maior da Bíblia como um todo
confirma estas direções, e nós descobrimos, como esperávamos, que as palavras
de Jesus expressam o já bastante conhecido ensino do Antigo Testamento.
O contexto do restante das Escrituras.
O precedente óbvio é o Faraó do Êxodo.
Como os fariseus, ele viu sinais milagrosos do Senhor e se recusou a acreditar.
Disse o SENHOR a Moisés: Quando voltares ao Egito, vê que faças diante
de Faraó todos os milagres que te hei posto na mão; mas eu lhe endurecerei o
coração, para que não deixe ir o povo. (Êxodo 4:21)
Então, disseram os magos a Faraó: Isto é o dedo de Deus. Porém o coração
de Faraó se endureceu, e não os ouviu, como o SENHOR tinha dito. (Êxodo 8:19)
Endurecerei o coração de Faraó, para que os persiga, e serei glorificado
em Faraó e em todo o seu exército; e saberão os egípcios que eu sou o SENHOR.
(Êxodo 14:4)
A interação entre o Faraó endurecendo
seu coração e Deus endurecendo o coração de Faraó tem mantido os intérpretes
ocupados, mas pelo menos podemos dizer que o processo foi uma decisão mútua.
Faraó não estava queimando de desejo de ouvir ao Senhor. Em vez disso, ele
estava comprometido com a glória do Egito e os propósitos de Deus não serviam
para ele.
Agora Jesus, o “Moisés” maior e
verdadeiro libertador, veio com sinais milagrosos, e a história se repete. A
dureza do coração de Faraó antecipou os corações dos Fariseus. Ele não queria
deixar o povo livre de seu cativeiro; os Fariseus não queriam libertar o povo
para a liberdade que Jesus estava dando. O opressor foi primeiro o Egito,
depois Roma, mas ambos estavam prefigurando o cativeiro do pecado e da morte.
Apesar da oposição, Deus vai libertar seu povo, e a
resistência dos líderes a esta liberação vai apenas dar mais glória ao resgate
efetuado por Deus. Nenhum poder humano pode conter o livramento final alcançado
por Jesus. Esta é a verdadeira mensagem contida na interação entre Jesus e os
Fariseus: Deus endurece os líderes de coração endurecido e liberta o povo. O
exemplo foi no Egito; com Jesus é a coisa em si. Quando você localizar a si
mesmo na passagem, localize-se entre os que são libertos.
Isso transforma completamente aquela
nossa interpretação condenatória de “Este sou eu?”. Com esta história maior em
vista, quando líderes endurecem seus corações e se distanciam do perdão dos
pecados, e quando eles tentam influenciar outros a fazerem o mesmo, algo está
prestes a acontecer. Estes eventos acontecem logo antes da glória de Deus ser
mostrada para o mundo. Libertação está a caminho. A oposição dos fariseus é um
sinal de que Deus está prestes a agir de forma decisiva.
Estamos agora no lado mais distante
desta libertação. Jesus foi para a cruz e ressuscitou dos mortos. Agora não há nada
que possa te manter longe do perdão dos pecados. A Ceia do Senhor, que nos assegura
perdão dos pecados e plena comunhão com o próprio Deus, substitui a refeição da
Páscoa. Alegria, e não condenação, é a ordem do dia. Ainda assim, esta
libertação acontece no meio da história e não no final. No final, não haverá
mais pecado, mas por enquanto, depois que Jesus foi para a cruz mas antes do
retorno dele para dar um fim à injustiça, ao pecado e à morte, nós estamos
todos familiarizados com o pecado. Para ser mais preciso, à medida que
crescemos no conhecimento de Deus, nós vemos em nossas vidas mais pecados do
que em qualquer outro tempo. O pecado pode não ser aparente em nossas ações
externas, mas o Espírito Santo nos ajuda a ver que todas as nossas boas obras
são, de fato, contaminadas com segundas intenções. Esta percepção pode não ser agradável
no começo, mas ela não existe para nos levar ao desespero. Ao contrário,
somente pecadores podem conhecer a beleza do perdão. Somente pecadores podem
amar assim (Lucas 7:47)
Conclusões.
Junte todo este material, e nós podemos tirar estas conclusões
a) Os líderes do povo
estão claramente em vista. Mateus não tem nada de bom para dizer sobre os
líderes. A linguagem severa de seu Evangelho é sempre direcionada contra os
líderes, não contra o povo. As pessoas comuns nunca foram os destinatários de
tais castigos. Por exemplo, Pedro, quando não era ainda um líder, negou Jesus,
o que certamente foi uma forma de blasfêmia, mas ele foi completamente
perdoado. Em contraste, os fariseus não apenas endureceram seus corações, mas
também tentaram liderar as pessoas para longe de Jesus. Uma coisa é se afastar
de Jesus. Outra coisa é afastar as pessoas dele.
b) O pecado imperdoável
é “arrogante”. Ele não é o resultado de pensamentos intrusivos ou compulsivos
que nós preferiríamos restringir ou apagar. Ele vem de um coração que despreza
a Cristo tanto em palavras quanto em atos. Essa arrogância não é um pensamento
passageiro. É um desafio firme e constante. Se você vacila na sua fé, mas não
está ativamente levando as pessoas para longe de Cristo, esta passagem não está
falando com você.
c) Os fariseus são um
sinal. Eles são os faraós do Novo Testamento e simbolizam a oposição do mundo
às obras de Deus. No caso do Faraó, a narrativa diz que sua dureza não foi
somente “imposta” nele pelo Senhor. Faraó estava mais do que disposto a
endurecer seu próprio coração; e Deus cooperou dando a Faraó o que ele quis.
d) Os fariseus são um
aviso. É difícil identificar como se parece o pecado imperdoável hoje. Esta
única interseção do ministério terreno de Jesus, milagres, e uma liderança
judaica recalcitrante, torna uma aplicação pessoal desta passagem algo
desafiador. Nós podemos aplicar a passagem a líderes da igreja que caíram em
pecado, mas a maioria não leva outros intencionalmente ao mesmo pecado, e muitos
se arrependem. Estes não se encaixariam no padrão do pecado imperdoável. O caso
mais claro poderiam ser os teólogos e pregadores que negam a divindade de
Jesus, seu sacrifício expiatório e ressurreição, e tentam influenciar outras
pessoas a fazerem o mesmo. Uma aplicação é certeira. Os fariseus e outros
líderes são sinais e avisos para nós. Receba o encorajamento do evangelho com
frequência, e acredite na verdade das Escrituras.
e) Deus perdoa aqueles
que vão até ele. Onde quer que haja alguém se voltando para Cristo em
arrependimento, sempre há perdão. Não há nenhum caso nas Escrituras de alguém
que sentiu a tristeza segundo Deus e se arrependeu, mas não foi perdoado.
Nenhum. Nem sequer um.
f) Se você ainda luta
com o medo de ter cometido o pecado imperdoável, deixe a sua igreja te ajudar.
Se você fez uma profissão de fé pública, e se você continua contando com a
aprovação da sua igreja, então leve o julgamento de sua igreja a sério. Deus
trabalha por meio do seu povo. Se seus líderes conhecem você e não disciplinaram
você, conforte-se sob a supervisão deles e acredite neles quando eles disserem
que você não cometeu este pecado. Além disso, não se esqueça de tomar a Ceia do
Senhor. A questão 81 do Catecismo de Heidelberg pergunta “Quem deve vir à mesa
do Senhor? Aqueles que estão realmente descontentes consigo mesmo por causa de
seus pecados.” Isso se aplica a você.