sábado, 19 de julho de 2014

Como Ler e Interpretar a Bíblia Sagrada?


Por Douglas Pereira da Silva

Muitas dúvidas e confusões - para não dizer aberrações - de práticas doutrinárias nas denominações evangélicas de um modo geral, se deve de forma primaz a falta de uma boa Hermenêutica Bíblica, que é a arte e ciência de interpretar os livros sagrados e os textos antigos.

Os dois principais objetivos desta ciência é: 

1°) Tornar o autor contemporâneo do leitor, aproximando-os à compreensão da mesma época. Neste sentido, nós leitores, devemos compreender o escritor na época em que o texto foi escrito e não na época em que estamos lendo o texto sagrado;

2°) Esclarecer tudo que haja de obscuro, isto é, tornar o assunto compreensível para uma posterior exposição (II Pedro 3.15-16). Infelizmente, é possível dizer a verdade de forma errada, ou seja, nas Escrituras Sagradas encontramos a verdade, mas por falta de conhecimento é possível ensinar ela de forma errada.

Além disso, é mister reconhecermos que há uma diferença enorme entre INTERPRETAÇÃO e APLICAÇÃO

A INTERPRETAÇÃO é o significado pretendido pelo autor, ou seja, por Deus. A interpretação bíblica deverá extrair do texto apenas o que Deus pretendia dizer através do autor humano, e não o que nós pretendemos que o texto diga.

Já, a APLICAÇÃO, podem ser várias, dependendo da situação e necessidade em que as pessoas se encontram.

Os dois métodos hermenêuticas mais conhecidos e usados nos dias de hoje pela cristandade, é o ALEGÓRICO (infelizmente, para a tristeza deste autor este é o método hermenêutico mais usado e prevalecente na igreja atual), e o LITERAL-HISTÓRICO-GRAMATICAL.

O método alegórico de interpretação é fantasiosa e herética; este método é o responsável por estas aberrações doutrinárias que testemunhamos em nossos dias - "pecado de morte", "batismo salvífico", "teologia da prosperidade", "unção do riso" etc. Além disso, o interprete que aplica este método atribui o sentido que preferir às palavras de Deus, de modo que a autoridade final fica sendo o homem, e não Deus, ou seja, ele interpreta as Escrituras Sagradas conforme sua imaginação e criatividade, desvirtuando descaradamente o real significado do texto, roubando o verdadeiro sentido, que o Espirito Santo intentou transmitir.

Um bom exemplo do caráter deste método de interpretação, fica manifesto na conhecida interpretação alegórica de Orígenes de Alexandria (185 - 254) da parábola do bom samaritano (Lucas 10.30-37). Segundo ele, o homem atacado pelos ladrões simbolizava Adão (a humanidade); Jerusalém, os céus; Jerico, o mundo; os ladrões, o diabo e suas hostes; o sacerdote, a lei; o levita, os profetas; o bom samaritano, Cristo; o animal sobre o qual foi colocado o homem ferido, o corpo de Cristo (que suporta o Adão caído); a estalagem, a igreja; as duas moedas, o Pai e o Filho; e a promessa do bom samaritano de voltar, a segunda vinda de Cristo. Outro exemplo do caráter desse errôneo método de interpretação pode ser percebido nas diferentes interpretações alegóricas atribuídas as duas moedas mencionadas nessa parábola: o Pai e o Filho, o Antigo e o Novo Testamento, os dois mandamentos do amor (a Deus e ao próximo), fé e obras, virtude e conhecimento, o corpo e o sangre de Cristo etc.

Vejam que "viagem na maionese" queridos e diletos leitores do Teologando [risos], não foi absolutamente nada disso que o Senhor Jesus pretendia ensinar com a parábola do bom samaritano!

O método literal-histórico-gramatical é fundamentado em pressuposições bíblicas quanto à própria natureza das Escrituras Sagradas, pois considera com zelo e maestria as características linguísticas e históricas do texto, prezando e priorizando a mensagem que o Senhor pretende comunicar ao homem!

O Senhor Jesus usou este método em Lucas 4.16-22, na sinagoga de Nazaré em um dia de sábado, quando leu as Escrituras no livro de Isaías 61. Observem que parte da profecia que o Senhor recitou, se cumpriu LITERALMENTE, enquanto que a parte b do versículo 2 em Isaías 61 - "[...] e o dia da vingança do nosso Deus" - o Mestre sequer mencionou esta parte e ainda não se cumpriu; pois aguarda o cumprimento que ocorrera em sua Segunda Vinda. 

Bem, isso já é um assunto para outro post, sobre Escatologia Bíblica. 

Confiram e comparem cada frase de Lucas 4.18-19 com Isaías 61.1-2. Jesus omitiu - ou pulou - propositalmente a parte "[...] e o dia da vingança do nosso Deus", que vai acontecer em sua Segunda Vinda!

Elencaremos abaixo, algumas diretrizes elaboradas por Agostinho de Hipona (354 - 430), em sua monumental obra De Doctrina Chistiana, que certamente vai auxiliar os nobres leitores deste humilde blog, em seus devocionais e estudos Bíblicos. Eis alguns destes princípios:

a) A Fé é um pré-requisito fundamental para o interprete da Palavra de Deus;

b) Deve-se considerar o sentido literal e histórico do texto;

c) O Antigo Testamento é um documento cristológico;

d) O propósito do expositor é descobrir o sentido do texto e não atribuir-lhe sentido;

e) O texto não deve ser estudado isoladamente, mas no seu contexto Bíblico Geral;

f) Se o texto for obscuro, não pode se tornar matéria de fé. As passagens obscuras devem dar lugar às passagens claras;

g) O Espirito Santo não dispensa o aprendizado das línguas originais, geografia, história, ciências naturais, filosofia etc;

h) As Escrituras Sagradas não devem ser interpretadas de modo a se contradizerem. Para isso, deve-se considerar a progressividade da revelação Bíblica.

obs.: Ainda há muitas outras informações de grande relevância para o nosso aprendizado na interpretação e aplicação Bíblica, que infelizmente, não será possível descrever aqui e cobrir toda a matéria neste conciso espaço. 

Para tanto, registrarei abaixo uma pequeníssima bibliografia para àqueles que desejam se aprofundar no assunto!

SOLA SCRIPTURA

Bibliografia:

BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008.
HENDRICKS, Howard G. Vivendo na Palavra - A Arte e Ciência da Leitura da Bíblia. São Paulo: Editora Batista Regular, 2010.
PENTECOST, J. Dwight. Manual de Escatologia. São Paulo: Editora Vida, 1998.
VIRKLER, Henry. Hermenêutica Avançada - Princípios e Processos de Interpretação Bíblica. São Paulo: Editora Vida, 2007.

2 comentários:

  1. Ótimo texto, irmão Douglas!! Deus o abençoe por isto!
    Este é o tipo de artigo que eu precisava ler, ja que tenho muitas dúvidas, sobre leitura e interpretação das Sagradas Escrituras.

    Só uma dúvida aqui: ali nas diretrizes para se estudar a bíblia, no ponto F, não consegui entender, ali quer dizer que a bíblia, ou alguma passagem da mesma, pode ser OBSCURA?!

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    1. Amém Rene,

      Muito obrigado pelo incentivo. É sempre gratificante testemunhar a sua alegria, e dos demais leitores ao sanar as dúvidas que surgem em nossa caminhada cristã!

      Quando abri este humilde espaço, meu objetivo - e permanece o mesmo - foi o de glorificar o evangelho da Graça de Cristo, resgatando os nossos irmãos ccbeianos das trevas da ignorância religiosa, refutando estas heresias da Igreja de Roma, que infelizmente adentraram em nosso grupo denominacional.

      Tenho muita esperança em um avivamento, embora seja desanimador muitas vezes...

      Então, há muitas passagens obscuras nas Escrituras, isto é, passagens de difícil entendimento, e que portanto, não pode de maneira nenhuma se tornar matéria de fé, transformando-o em uma doutrina, entende?

      Apenas para citar como exemplo, uma que me vem a mente agora, é a seguinte passagem:

      "Dai bebida forte ao que está prestes a perecer, e o vinho aos amargurados de espírito. Que beba, e esqueça da sua pobreza, e da sua miséria não se lembre mais". (Provérbios 31.6-7)

      Você, como cristão, seguiria o conselho proposto nestes versos? [risos]

      Outra passagem obscura, é aquela em I Coríntios 15.29, onde Paulo fala sobre os que se batizavam pelos mortos.

      Será que ele estava se referindo ao batismo de pessoas vivas, representando pessoas mortas que não tinham sido batizadas, e assim assegurando-lhes a salvação (como dizem os mórmons)? Ou será que ele está se referindo aos que, sendo batizados, entram na igreja para preencher o lugar dos que partiram? Ou ainda, não seria o caso de ele estar referindo-se aos crentes sendo batizados "pelos mortos" no sentido de "suas próprias mortes, sendo enterrados com Cristo"? Ou, quem sabe, poderia estar dizendo alguma outra coisa?

      Em uma próxima oportunidade, vou ver se consigo postar algum artigo, falando mais sobre este tema.

      Um grande abraço meu mano, com a paz de Deus!

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